Há milhões de anos, que as rochas existem, As montanhas, as árvores, enfim, a natureza!... Há milhões de anos, que o homem existe E na sua idolatrada sapiência persiste, Mergulhado numa falsa clareza, Surdo e mudo… Nesse passar do tempo, não se convenceu, Por sua inconsciência, que as rochas ficam, Enquanto o homem parte, Se de tal loucura não desistir, Na destruição do seu único mundo E em tamanha arrogância persistir, Por mais que conselhos o enfrentem, Mas dando ouvidos aos que pecam, Pronunciados numa melhor arte, Abrindo a sepultura no pó, cuja mãe lhe deu, Parte da rocha universal em que nasceu E, irresponsavelmente, nunca mereceu!...
Nasci antes de um meio-dia, Pelo intervalo dessa matina, Branco e num dia bem claro, Desse ventre de uma branca E não sabendo do que falava... Nato naquele recinto escuro, Tão negro, por tal penumbra, Para a vida que me esperava E berrei, não sabendo se sorte, Pelo jeito de duas palmadas!... Assim me deitaram ao futuro, Sem que visse preto e branco, Mas por tanto de um cinzento... Calcei sapatilhas de escuridão, Por percursos de tempestade E engoli sapos como diapasão, Por orquestras de insanidade E sempre num pior momento, Sem razão... e para ser franco!... Assim, nalgum pior de tal sina, Vivi brancos dias, numa agonia, Roendo côdeas de um pão duro, Pois que o restante era tão caro... A rebeldia sentia-se na sombra E perseguindo sempre alhadas, Sem haver chave, nem tranca, Sequer perigo chamado morte, Quando equilibrista num muro... Disseram-me nascido em cores, Num mundo que por cá andava, Muita desilusão senti, nas dores E no cinzento, cuja vida me dava!... Sobrevivi entre certas aguarelas, Noutras pinturas feitas a carvão, Na ténue luz, vinda pelas janelas E mãos lavadas com o pior sabão!...
Não sei se serei Deus, ou o Diabo!?... Talvez ambos, ao fim e ao cabo!... Porém, sei não ser nada, nem ninguém, Simplesmente eu, no meio de alguém!... Um pobre Diabo, neste inferno lançado, Mero pobretana, colegial a desgraçado, Assim como um falso Deus, Sentado no banco dos réus, a pecados meus!... Algo não sou, de certeza, Como muitos, um reles agiota E entre tantos, amealhando riqueza, Tampouco um proxeneta, Cuja miséria alheia não importa E demais abastado na gaveta, Comendo o pão dos infelizes, Feitos de madrugada à estrada E filhos do raiar do sol desde petizes, Roendo o pão que o Diabo amassou, Com a mesa cheia de nada, Pois que Deus ao infortúnio os lançou!...
São os lobos disfarçados, Aqueles que me preocupam, Reles cães, que tanto ladram E nada fazem, nem mudam, Vivendo acorrentados E sem que nada façam, Comendo da mesma gamela, Dizendo mal da panela!... Mas seguem e caçam com os mesmos, Iludindo os pastores, Comendo do rebanho e sem termos E que se lixem os amores... Espalham-se pelo mesmo pasto, Pedindo a pele aos lobos, Roendo sem deixar rasto E chamando os outros de bobos!... São feras, bem camufladas E que nem deixam ossadas!... Comem, sugam, por conveniência, Sem que deixem referência, Partilhando dos mesmos campos, Vivendo nos mesmos tempos, Tapam-se com as mesmas mantas E confraternizam até às tantas!... São mestres de ilusões, Vivendo das confusões, Adormecem-nos com cantigas E desmentem as intrigas... E os carneiros baixam a cabeça, Despem-se da lã que vestem, Mesmo que a sorte os esqueça, Pela sina do seu destino, Numa morte que já nem sentem E na perda do pouco tino!...
A verdade, do pensamento e das palavras, não se omite... Prenuncia-se! Nem se pede desculpa... Pois que já foi dita! Tampouco se receia, Sendo algo que nos excita, Muito menos se negoceia... Pelo que não tem preço! A verdade não se demite, Seguindo em frente, ao cabeço, Elevando-se bem alto, num grito E sem receio de alguma culpa! A verdade afronta-se... Ouvindo e sendo ouvido, Mas sempre na verdade, Com a força que nos vai no espírito, Sem dó, nem piedade E num quanto merecido!...
As sociedades são consequência da vontade, Prisioneiras de toda a visão alheia, Seguidoras do síndrome de Estocolmo, Preferindo a mentira bem contada, A que uma melhor verdade!... Já ninguém segue a sua singular ideia, Alinhando e vendendo-se de mão dada, Trocando telhas de argila, por mísero colmo!... Cavalgam, como se cavaleiros do Apocalipse, Matam, destroem e desta deixando-se matar, Não olham de frente, ou círculo, sequer elipse, Vendo-se no precipício e sem arrojo de lutar!... Bebem do charco, ou torneira envenenada, Água pantanosa e de algo bem preparada, Que as mentes terão que ser controladas E torneando tal gente a manadas!... Gente, qual gente, se já não expressam vontades!?... São carneiros, ovelhas, manadas, mas não gente de sociedades!!...
Abre-se a boca e mostram-se as presas, Escorrendo a baba pelas laterais, Não que sejam animais, ou sobrenaturais, Mas por ataque a vidas indefesas... Insuflam-se, criando mais volume, Para que as vítimas os receiem, Não mostrando interesse em que negoceiem, Tamanho o preconceito e azedume... Raspam as patas, cospem sobre qualquer um E sem se compadecerem dos fracos, Criam tentáculos, recém-saídos dos charcos, Sem que oiçam algo, nem nenhum, Tampouco quem lhes estendeu a mão, Os alimentou nas suas barrentas águas E a quem agora não atendem mágoas, Muito menos lhes escutam qualquer razão... E avançam, desmembrando tudo e qualquer, Comem a carne, roendo os ossos e o tutano, Nada deixando, tão-pouco por engano E nem vestígios sequer... São as feras, cujas trouxemos ao colo, Aquelas que no melhor alimentámos E, com todo o peso que lhes criámos, Agora tanto nos espezinham no solo... Simplesmente criaturas à imagem do Inferno E semeadas ao longo deste universo, Sem qualquer verso, ou reverso E sem tema que nos seja terno... Essas figuras proclamam-se anjos, Sendo nós as almas penadas, Já sem penas e desgraçadas, Sem que nos valham os arcanjos... Somos zombies, numa nau das tormentas, Numa rota sem destino, nem mesmo fim, Uns tristes figurantes de arlequim, Dançando vassalagens, dias, até às tantas!...