REBULIÇO DAS RUAS
REBULIÇO DAS RUAS
Eram cantigas das ruas,
Por nossa velha Lisboa
E foram minhas e tuas,
Cidade tão moça e boa.
Faltam os tais pregões,
Das varinas, ao passar,
O espanto de aldeões,
A ouvir fadistas cantar.
Ouviam-se cauteleiros,
Em oferta de sua sorte,
Por entre tais rafeiros,
À espera da sua morte.
Chiavam aquelas rodas,
Deslizando ruas e carris,
Por certas, senão todas,
Quantas e que eu já quis...
Ao longo de negras ruas,
De óleo, seco, molhadas,
Que a noite vestia nuas
E gente desamparadas...
Rebuscava-se as beatas,
De quem à rua lançadas
E quem, com as suas latas,
As apanhava das calçadas.
Ouvia-se o mestre latoeiro,
O assar castanhas, pacatos,
Num tão diverso pregoeiro,
E engraxadores de sapatos;
Um vendedor de passarada
E passeando as suas gaiolas,
Putos a correr pela estrada,
Arremessando suas sacolas...
Tampouco faltava o padeiro,
Espalhando o pão pelo chão,
Saindo a sorte ao tal rafeiro,
Se houvesse quem de olhão.
Nesta falsa alegre azáfama
E tantas coisas que vivemos,
Vivo fornalhas dessa chama,
Do tempo que percorremos...
Punha-se o dia, pela noite,
Abrindo-se quantos bares
E lá urgia quem, de afoite,
Na escolha de seus pares...
Pela manhã surgia o dia
E com demais semblante,
Sendo por igual porcaria
E tanta gente emigrante.
Era o rebuliço, tão diário,
Que, por si e sem espanto,
Era mais fado, tal fadário,
Deste povo e do tal canto...
( Manuel Nunes Francisco ©® )
( Imagem da net )
Todos os Direitos de Autor reservados e protegidos nos termos da Lei 50/2004, de 24 de Agosto - Código do Autor. O autor autoriza a partilha deste texto e/ou excertos do mesmo, assim como a imagem inédita, se existente, desde que mantidos nos seus formatos originais e obrigatoriamente mencionada a autoria da obra intelectual.