Não sei se serei poeta, Pelos rabiscos que desenho, Pintor de aguarelas da vida, Maestro de muda orquestra, Instrumento de sinfonia, Se orgulho, sequer agonia, Uma porta e chave-mestra, Composição de ave que pia, Em que próprio me desdenho, Nalguma figura de pateta!?... Desconheço o rio que sou, Em meu leito de tão conciso, Por entre margens que piso, Tampouco o mar, ao que corro, Se vento de tempestades, Ou de serenas paisagens, Feito às minhas miragens, Nesta ânsia, em que morro, Sem que me espere o tal Hades, No horizonte da despedida, Pela verdade em que me dou... Sei-me filho de um mundo estranho, Navegante, de velas rotas, Soltas, combatendo as marés, Oscilando às ondas de espuma, Relógio de horas mortas, Gato, desejando ser puma, Avançando pelos próprios pés, Num trajecto que se adia, Força por quantos caminhos E naquilo que me empenho... Sou ave-marias de trindades, Corda e badalo dos sinos E anunciando saudades, Verde de frondosos pinhos, Entre os quais brincam meninos, Por entre arbustos e espinhos!... Sou poeira de tortuosa estrada, Ruela escura do negro fado, Conhecendo quem a meu lado, Mesmo que avançando sozinhos... Sou mundo, num mundo de nada!...
A mulher é um instrumento de cordas, Nas mãos de quem a souber tocar... Um sonho do qual acordas, No toque dos melhores acordes de amar!... É ode de escrita e musicalidade, Sinfonia, tocada no melhor palco da vida, Aplauso, na actuação ao longo da idade E retardando qualquer viagem de despedida!... A mulher, na melhor matéria, é lição, Professora, ensinando suposto livro, Guitarra, piano de afinação E loucura, da qual não me livro... Tocando, nos sentidos mais despertos, No despertar de tamanhas sinfonias, Galopando, equídeo selvagem, em espaços abertos, Noites, campos de lençóis, iluminados dias!... Quem me dera ser mulher e, de tão louca, Ser batuta, aquele instrumento, diapasão, Em suspiros, num ficar de voz rouca, Pela qual os mestres se perdem, na confusão!... A mulher é rio, que lava maleitas, Mar, cujo se perde nas ondas, Frondosa selva, sobre a qual te deitas E procuras, por mais que te escondas... Entre os seus silvados e tais outeiros, Desembocando em entroncamento, Em jogos doces e matreiros, Procurando o maravilhoso momento... Orquestrada melodia, Sem aplausos de quaisquer ouvintes, Em quantos sons, mais parecendo agonia E sempre inventando outros seguintes!... Mulher, é caixa de ressonância E seja no qual instrumento que for, Acorde, composição de sapiência, Palavras doces, perfeito aplauso do amor!...
Eu nasci numa certa cova, Entre pinheirais e montes, Num recanto da Beira Baixa, Não que fosse dada nova, Com águas vertendo de fontes E como berço qualquer caixa... Cedo me fizeram à estrada, Nalguma descoberta ao mundo, Deixando o ribeiro que ouvia, Toda uma sinfonia amada, Aquele ar puro e tão profundo E o embalo que a vista desvia... A vila e a capital conheci, Pisando as pedras da calçada, Vendo o rio indo pro mar, Frente em que às vezes adormeci, Numa possível paz alcançada E aprendendo o verbo amar... Troquei passos noutra fronteira, Novas culturas e multidões, Gentes que tanto me ensinaram, Me condenaram alguma asneira, Criaram juízos e razões E cujo destino me apontaram... Dei voltas ao meu caminho, Abraçando traçada profissão, Conheci a política enganosa, No mais venenoso espinho, Segui em frente uma missão E numa forma tanto mimosa... Sedei-me por vasta chapada, No loiro dos campos que vejo, Na melancolia do calor, Pela força por mim abraçada, No tamanho, sonhado desejo E naquele que é meu clamor!...