Sou filho da Mãe Natureza, Pelo Sol trazido ao mundo, Neto de uma qualquer explosão, Navegando em mar profundo, Não sabendo se em tal certeza... Os rios, são as minhas veias, Correndo-me o corpo, como teias, Numa pele, de tanto um lamaçal, Enquanto os ossos o granito, Sustentando este altar, Muito quedo, mas demais aflito!... Os meus braços, são as árvores, Bem direitinhos ao azul celeste, Um tanto feitos de cadáveres, Desfalecendo numa Terra agreste!... Os troncos são minhas pernas, Já nem tanto agarradas à terra, Sentindo saudades das cavernas E fugindo a tanta guerra... Sou filho de um mundo e aborto, Chorando, pela pior razão, Cada qual no seu conforto E tudo tentando alcançar, Tendo sede e bebendo água com sal!... Choro, por tanta ignorância E num mundo a morrer de fome, Preso a quanta relutância, Dormindo neste Universo que não dorme!... Sou filho de quem está a morrer, Cada vez mais a sofrer, Perguntando o que será de nós, – já não de mim! –, Quando o que resta chegar ao fim?!...
Podem pensar que são tretas, Mas, tanto assim, não são!... Perguntem aos entendidos, Se não preferem as curvas, Sendo essas que dão tesão, Mesmo que em condições turvas, Por entre algumas mais rectas E quantos momentos aguerridos?... Nem os carecas se atrapalham, Com as mais perfeitas e moldadas, Cujas, de tão bem onduladas, Os levam a entrar pelo meio, Num emocionante devaneio E sem pensarem se se espalham!... Se quaisquer dúvidas houver, Perguntem a quem souber E que há muito tempo monte... Motas e modelo que tal espante!... As curvas são as mais preferidas, Sendo as que melhor gozo dão, De vez em quando bem estendidas E sem entrar em contramão!...
Retrato de Portugal, por Guerra Junqueiro há 125 anos, mas duma actualidade aterradora
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [...]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
Nesse teu clamor à liberdade, Respeita a liberdade dos outros, Não mergulhes na leviandade, Naquilo que outra mente espreita E mandamentos vindos de castros, Caminhos de Esquerda, ou Direita... Procura o teu pensamento, Genuíno, puro e quão peculiar, Para que não hajam arrepios, Por doutrinas de ensinamento, Correntes de pressão, a saltitar, Cujas correm, poluídas águas de rios!... Na tua suposta liberdade de ocasião, Olha quem a tal tem direito, Não confundas conceito e decisão, Pela única ideia que tens feito!... Liberdade, é frescura, em dividida razão, Sendo tanto tua, como minha e universal, Não a ouses adquirir, se não sabes ceder, Sendo estigma de pouco saber, Doutrina feita por trilhos de arrogância, De um qualquer, sem a menor significância... Liberdade, seja de quem, é direito de opinião, Nos mesmos direitos e de tanto igual!...
Venham, a mim, espadas afiadas de um passado E montadas em garanhões, pelos vastos campos, Erguidas bem ao alto, neste terreno conquistado, Numa bravura daqueles heróis de outros tempos!...
Corra-me, pelas veias, aquele rubro sangue luso, Pelas paisagens e num mais lindo olhar do norte, Do agreste das Beiras, assim me deixando difuso, Ou do Alentejo, cujo anseio para a minha morte!...
Ou mais para sul e pesquisando um outro mundo, Correndo o meu olhar ao longo do mar profundo, Naquelas rotas de aventureiros que deram hinos!...
Que venham a mim, quem tanta bravura me nega, Pois que gritarei e bem alto, BASTA, pois já CHEGA!... Ai, a quem apagar história, cuja obra dobram sinos!...