Olá, senhor doutor!... Como vai, senhor prior?... Olha lá, ó agricultor, Que não passas de cultivador, Põe-te ao largo do caminho, Senão levas no focinho!... Têm toda a maior razão, Pois não tenho canudo, Mas é com a minha ração, Que é ver-vos o mais pançudo!... Como está, senhor engenheiro, Como vai, senhor deputado?... Desculpem, de cão, sou um rafeiro, Talvez mesmo um desgraçado, Um simples votante na urna, Mas sendo do meu dinheiro E por todo o ano inteiro, Enfiados na vossa furna, Que todos cantam de galo, Só que não sou vosso vassalo!... Sou do povo, Isso sim e não digo nada de novo!... Adoro ser padeiro, sapateiro, Aquele simples carpinteiro, Homem do lixo, pedreiro, O mais ilustre calceteiro, Cuja obra piso o dia inteiro, Simples mestre cozinheiro, Vendedor de porta a porta E as críticas não me importa!... Serei um singelo electricista, Ou mesmo o mais artista, Um quanto perfeito artífice, Sem o mais pequeno défice, Serei tudo, nem que seja joalheiro, Mas suando o meu dinheiro!... Assim são as profissões, Mesmo aquelas que esqueci, Ou aqui não reconheci, Pelas mais diversas razões!... Como vai, senhor advogado?... Como está, sua excelência?... Tenho, para si, um recado, Todo de maior urgência!... Para si, sou todo ouvidos, Já que estamos comprometidos!... E eu, no que fico, como vulgo?... Esquecido, pelo que julgo!... Em todo este vosso jogo, É ver-me em tamanho jugo!... Só me resta perguntar E sem querer opinar, Se não sois filhos da puta, Esperando suprema luta?... Como vai, senhor magistrado?... Como os outros, para o mesmo lado!... E dei-me a tanto trabalho, De moer o meu raciocínio... Era mandá-los pro caralho, Por quanto meu vaticínio!...
Corto as minhas fatias de pão E bebo o meu copo de néctar, Tal vinho, fonte de esperança, Mas sem que eu perca a razão... Nalguma bebedeira de sonhos, Tudo tento antever e detectar, Fugindo a tropeços enfadonhos, Fechar ao mundo uma aliança... Escolho pontos de luz, no astro, Que nesta viagem são mastro, De um navio em que embarco, Quão utópicas saídas do charco E por águas de um qual oceano, À esperança de um não engano... Pontos e quanta luminescência, Essa rosa-dos-ventos, referência, Estrelas, por qual noite obscura, Na penumbra que demais dura E bebo, ao correr duma nuvem, Clara, em trajectos sem destino E como se inocência de menino, Em traquinices que me turvem... Absorvo o meigo voar das aves, Pelas suas viagens num infinito, Na vontade de deitar um grito, Num invejar das batidas suaves, Por não ter asas pra tal viagem E ficando-me por esta miragem...
És tu, sou eu, somos todos, Fantasmas deste cemitério abandonado, No jusante de um qualquer rio, Transbordando restos do prometido, Tudo o que alguma vez foi declarado, Em frias noites de Inverno e sem brio, Por escritas um tanto a rodos E para depois ser esquecido... Os tempos mudaram, mas não de todo, Nada mais deixaram que um engodo E tamanho retrocesso cavalgado... A besta, foi sempre o mesmo desgraçado, Comendo a palha que o Diabo espalhou E os cavaleiros sempre ao alto e erectos, De botins e esporas afiadas, Cavalgando ao longo dos ventos, Fazendo disso jornadas E comendo pão de quem o ganhou!... Os ciclos estão de volta, Sem que ninguém se aperceba, A fome, a desgraça e sem escolta, Para suores de quem o conceba... Semeiam-se ventos de ira, Para que colheitas se façam E podem dizer que é mentira, Porém os remoinhos já dançam, Mas não por salas de baile... Que as orquestras se afinem E se cubram os mortos com xaile, Em cujos canhões se alinhem!... Serão novos sopros de mudança E cujos tempos assim ditarão, Nalguma busca de bonança, Por campos e rotas de alcatrão!... Entretanto, vamos deambulando, Assobiando para o lado, Tu, eu, todos e sem ver a razão chamando, Neste cemitério e jazigo anunciado!...
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Sinto-me obrigado a concordar, Que não serei o mais normal... Todos se preocupam com a morte, Enquanto faço contas com a vida!... A morte, canto e danço com ela, Levo-a para todo o lado comigo, Desafio-a, ando e com ela me sento, Partilho, lado a lado, a minha paz, Os meus desencontros e abraços... Peço-lhe conselhos! Agarrada, como lapa e à espreita, segue-me, Comparsa de roteiro, Imagem dos meus espelhos, Deitando-se a meu lado, Ou espreitando à janela, Pronta para a despedida, Sem nunca se portar mal, Nem andando contra o vento, Chamando-me, sempre audaz E ouvindo aquilo que digo, Trazendo-me algum recado E desejando-me a melhor sorte... Sempre pronta a estender os braços! A vida, essa confronto-a, o dia inteiro E sem saber no que vai dar... Porém, uma coisa eu sei, Tanto uma, como outra, acompanham-me, São ambas minhas sósias E sempre sorrindo, aquando lhes acenei, Correndo para mim, em exímias cortesias!...