Nasci, chorei, – felizmente! – e fiz-me à vida, Pelo meio das intempéries de um futuro E calculando que ia ser duro, Mas não sendo razão para despedida!... Cresci, levei nas trombas, Cuspi nas estradas poeirentas, Vendo das coisas mais nojentas, Corri, joguei ao arco, por pedras e lombas!... Fiz-me jovem e traquina, Espreitando por todo o lado, Andei a pé, de alpercatas, pobre desgraçado, Mas sempre superior a gente fina!... Adolescente, excitava-me o que via, Moças, provocantes e carentes, Tanto quanto eu, adolescentes E cada qual quem mais pedia!... Até que um dia, farto dos passeios, Avancei pela avenida, Era uma guerra desmedida, Mas no horizonte dos meus anseios!... Foda-se, o certo é que me perdi!... Caminhando pelo meio, Perdido no meu devaneio E em quanto mais eu pedi!... E lá estava, numa alhada e paspalho, Caído num buraco desconhecido, Talvez que há muito merecido, Mas escuro... e obras do caralho!... Explorei, tirando conclusões, Tudo me era novidade, Por acelerada ansiedade E construindo decisões... Se a nascença me fora fodida, Então, nada havia a ter receio, Seguindo em frente e ânimo cheio, Numa caminhada decidida!...
Quer esteja calor, frio, não me importa, Importa-me o que sinto, Sabendo que estou vivo, Nessas carícias, acordado, Sendo bem-vindo o que bate à porta E senão estaria adormecido... Ou porventura morto! Interessa saber sentir, Degustar a natureza, Usufruindo quanta certeza, De todo este mundo e sorrir.... Tudo me é conforto, Nesse universo abençoado, Seja chuva, neve, soprado vento, Calor, frio, prazeres do momento, Dádivas, sentidos com quais convivo, Nas maneiras que tanto finto... E ficando sempre agradecido!...
Ninguém sabe os meus caminhos, Aqueles que ando e por onde andei, Naqueles que me foram sozinhos E por tantas rudes pedras que pisei... Ninguém sabe o que me vai na ideia, O que escondo por tais pensamentos E que não haja alguém que não creia, Do quanto sou capaz nos momentos!... Ninguém sabe, nem tal queira saber, Aquilo que tantas vezes me apetece, A linfa espremida e de certos beber!... Que ninguém ouse ao que sou capaz, Quando turvo e a mente me adoece, Me decido, no prazer que tal me traz!...
Não, não serei o único, Nem o primeiro a olhar o céu, Naquele olhar tão pudico, Mas disfarçado sob um véu!... Não serei o derradeiro, A olhar essa imensidão, Do azul do firmamento, Observando as aves que voam, Em distâncias que não perdoam, No imenso do momento!... Não serei o último guerreiro, Nesta revolta à podridão, Pois que, – esperem! –, outros virão, Sedentos de vingança e razão!... Não, não serei o despertar, Porquanto o tempo será história, Ficando para a memória, De quem não queira acreditar!... Serão desenterrados os mortos, Os heróis e tanto esquecidos, Que levarão, ao Inferno, uns quantos E precisando de ser derretidos!... Virão, pelo luar, cavaleiros da justiça, Lutando pela mudança, Rebuscando, entre a preguiça, A vitória de melhor esperança!... Não, não serei qual deus nórdico, Ou centurião de Roma antiga, Quiçá, justiceiro espartano, Viriato, vermelho sangue lusitano, Num segredo de qualquer pórtico, Por este país e de sorte mendiga!... Não creio que, de tantos, seja o primeiro, De quantos mais e necessários serão, Em outros tantos colocados no fumeiro, Para que tal pátria volte a ser uma nação!...
Há sonhos desalmados que se têm E cujos a maioria a poucos convêm... Aqueles pensamentos na injustiça, Piores que pecados de qual noviça!...
Como diria Camões, em nova versão, Nalguma e na sua mais lúcida razão... "As armas, contra portões apontadas E a tais cabeças, tão reles, disparadas"!...
Há dias, noites que nos sugam o sono, Reflectindo sobre quem nos comanda, Ou se diz comandar, por quanto mono...
Miseráveis criaturas e perfeitas bestas, Bem colocadas, abutres a tal demanda, Vampiros coroados, em palmas e festas!...