Era uma dessas manhãs, calma e leda, Maravilhosa, num suave nevoeiro... Era mais o continuar de alvorada já ida E eu por ali andava, mas não o primeiro. Já os pássaros eram fartos de cantarolar, Enquanto as ovelhas baliam... E em toda uma frenética vontade de pastar, Ao que o fiel ladrava, quando certas fugiam. Era tal este palco de sinfonia, bem montado, Que procurei lugar para me sentar... E o melhor ainda era aguardado. Tamanha era a orquestrada melodia E que meus ouvidos teimava enfeitiçar... Que tudo o mais foi feitiço daquele dia!
Está tudo a ficar louco!... O mundo deixou-se do que era, Rodando agora ao contrário, Surdo e nem fala, de tanto rouco, Fugindo ao chamar da fera E dos contos do vigário!...
A flora mostra dentes afiados, Mas andando escanzelada, Come tudo o que apanha, Nem que sejam desgraçados, Não querendo saber de nada, Muito menos de qualquer manha...
De quanto o homem lhe ensinou, Na pior escola do mundo, Curso académico da estupidez E desde que egoísta ficou, Pelo percurso mais imundo E ficando estúpido de vez!...
O Sol mudou de cor, Pingando gotas de vermelho, Cansado de tanto brilhar, Chora agora a sua dor E já nem se olha ao espelho, Para mais triste não ficar!...
Entretanto dorme com a Lua, Aconchegados sobre o mar, Sonhando rebentos de trovoadas, Ele anda despido e ela nua, Em noitadas de luar E passeando de mãos dadas...
A chuva sobe para as nuvens, Farta de cair na terra, Levando consigo esperança, De quantas águas mais jovens, Passando do alto da serra, Vivendo da melhor lembrança!...
Os ventos sopram austral, Trazendo frios de rajada, Os de norte transportam calor E já ninguém os leva a mal, Qualquer outro já não tem nada, Sendo ventos sem valor!...
Os animais falam entre eles, Finalmente a mesma língua, Vivendo todos em concórdia, Construindo naquilo que é deles, Caçam o homem, sem qual míngua E ao contrário de outra discórdia!...
As crianças brincam com armas, Disparam guloseimas simuladas, Em quantidade e todas as cores, Levando ao colo as amas, Correndo por vales e estradas E não há quem sinta dores...
Tampouco os idosos e doentes, Pois de tudo estão curados, Seguindo a mesma religião, Conforto para todos os crentes, Sorrindo, sempre abraçados E cada qual na melhor razão!...
Os mares correm para os rios, Levando tudo de volta, Desprovidos de impurezas E voltaram-se a ouvir os pios, De quantos pássaros à solta E voando noutras certezas...
Descobriu-se de novo as pernas, Sentindo-as nalgum caminhar, Percebeu-se o amar as serras, Construindo-se ideais cavernas, Para que se pudesse apanhar, Mais à mão, exemplares searas...
Sendo feito, numa humilde troca, Comércios de viveres e bens, Já nada sendo como dantes, De cada qual com a sua roca, Agora dando aquilo que tens, Numa falta daquilo que jantes...
Nem há tempo para pensar, Nas horas passadas no ócio, Pois esta vida são três dias E tão obrigatório descansar, Que se lixe qualquer negócio, Ou trabalho no qual sorrias!...
Os dias deixaram de ser diário E disso não restam dúvidas, Nem tão-pouco haja ilusões, Já é tudo um imaginário, O dinheiro só compra dívidas E não se discutem razões!...
Não é louco, o mundo, ou senil, Porém um mundo de loucos, Porquanto o deitam às avessas, Nos vários interesses de funil E dando cabo dele aos poucos, Mas cujo se deixará de conversas!...
Se existe importância nas horas, Glorioso é o silêncio entre elas, Nos momentos de paz, que não choras, Pelo tempo de quantas sequelas... Horas, são a passagem pelos minutos, Segundos, espaço tão curto e banal, Senhor de ti e quantos defuntos, Neste tempo tão artesanal... Obra conseguida, mas imperfeita, Numa paleta de quanta maleita E enfermos que tanto a mostram... Os escravos e uns ditos senhores, Pensando ser os mentores, De um tempo que não orquestram!...
Porque demoramos tanto tempo, Se o tempo não tem hora E andando a brincar no campo?!... Nós, ainda agora chegámos E já estamos a ir embora! Pelo tempo nos interrogamos, Sem respostas para tal, Perdendo-nos nas questões, Que nos ficam pelo caminho, Nunca percebendo as razões, Que nos falam tão baixinho, Nalgum tempo tão fatal... Corremos, sempre atrasados, Atrás de uma meta sem vista, Chegando ao fim cansados, Sem prémio ao final da pista E quanto mais corremos, Menos o tempo vencemos!...
Sei-me descendente da Mãe Natureza, Apadrinhado pelo planeta Terra, Ambos na mais simbiótica certeza E chegado a altura de findar a guerra... Sento-me por algum penhasco e falo, Escutando todo este idílico templo E, sempre que o cosmos fala, tanto me calo, Em respeito a tal altar do mundo e amplo... Falo ao Universo e oiço as respostas, Aconselham-me as brisas, num sussurro, Enquanto o vento me acaricia as costas, Em palavras sãs, chamando-me de burro... Tal asno sou, andando em duas patas, De pequenas orelhas, que nada ouvem, Irmão de outras bestas e demais ingratas, Que ao cimo da Terra, à solta, se movem... Acalmam-me os conselhos do vento, Fala-me o derradeiro verde das árvores, O bater das ondas, contra a rocha feita assento E trazendo-me segredos de quantos alvores... Silvam ares, criando poéticos corredores de aves, Nos seus diários voos e que a mim se acostam, Confessando prenúncios deveras graves, Que os homens jogam, em erros que apostam... Eu próprio confesso alguns meus pecados, Ao celeste espaço, pintado de soberbo azul, Mas que se vai desfazendo aos bocados, Por ventos que o ditam, de norte a sul... Ergo-me sobre a fraga, olhando o horizonte, Questionando, ao Sol, o que será do homem, Ao que logo responde que tal anda a monte, Sendo escassos os sinos e pelo qual dobrem... Então escuto os peixes, no mais belo sermão, Enquanto observo as gaivotas que passam E volto-me para terra, procurando uma mão, Uma pata, aquela asa, num saudar que me façam!... Enquanto tudo me vai ficando pelas encostas, Sigo o meu caminho, em conversa com o cosmos, Querendo acreditar na mais bela das apostas... Um dia, o mundo será o que de melhor formos!...
Faço a minha vénia aos lobos, Por recônditos trilhos dos alfas E em cujos me afasto sozinho, Pelos recantos do escondido... Qualquer ómega nada me diz, Salvo quando me dá as honras, Até mesmo cheirando a falsas, Pois nem sempre são a verdade!... Oculto-me nos guerreiros ninjas, Visto a pele dos samurais, Entre o negro da escuridão, No oculto das surpresas E das garras faço espadas, Saciando-as nas minhas presas, De alguma guerra, estropiadas E ai de quem suspire uns ais!... Torno-me paladino das trevas, Audaz vingador no apocalipse, Busco a vitória, sem conversas, Pela penumbra de qual eclipse E terrífica justiça de escombros... Sento-me à mesa e crosta terrena, Sirvo-me na abundância amontoada, Como se ritual de uma novena, Elevando a garra ensanguentada!... Tão é o ódio e o invés não finjas, Rebolando-te nessa súpera podridão, Por esse teu palco e cujo te elevas, Na mais hipócrita mediocridade, Num desajeitado bailar de valsas, Não menos reles passos que decoras E tropeçando no passar das horas... Ah, como odeio todo esse quiz, Porquanto me julgas rendido E sabendo tu que não alinho!... Porém, – acredita! –, não te safas, Não me olhes sobre os ombros, Com esse disfarce dos bobos!... Sim, arlequim, sou tal solitário, Canis lupus, longe da alcateia, Tão organizado e refractário, Que nem te passa pela ideia, O quando a selvagem me obrigas, Sendo notório não haver brigas!... Segue, assim, esse teu caminho, Deixando-me no meu, em paz, Pois, se me cheiras ao focinho, Verás do quanto sou capaz!... Visto a pele do animal que sou, Sem peles, mas cujo te avisou!... Sou lobo alfa, da alcateia saído, Nunca me dando por vencido, Sangue quente e aguerrido, Quão temerário quando ferido!...
O nosso espírito é imortal, Enquanto recordado, Nesta passagem pelo Universo... Somos a chama que arde, A que muitos se teimam aconchegar E, entretanto, apagar. Somos chama, enquanto lenha para queimar... Por demais que o tempo tarde, Ou não queiramos aceitar, Toda este julgamento nos será dado, Como se palavras de um verso E num poema infernal.
Iço as velas e faço-me ao mar, Na mais pequena das embarcações, Procurando o mais perfeito norte, Mas sem muitas ilusões!... Navegarei ao sabor da sorte, Na arte de desenrascar, Como qualquer bom lusitano E navegando no seu engano!... Levo salmoira de Portugal, Das salinas de Aveiro, Numa carga infernal, Carregadas por inteiro... Assam-me as feridas e entranhas, Feitas por tantas patranhas E não vendo norte, onde aporte, Numa agonia tão forte!... Marinheiro de barco à vela, Avançando no destino, Como farol uma noite bela E de um luar muito fino... Desço as velas por areias finas, Muito abaixo do Equador, Chorando à noite e às matinas, Por quanta tamanha dor... Oiço o clamar das ondas, Numa fúria tão audaz, Traçando rotas de sondas, Nortes que ninguém é capaz!... Falam-me marinheiros de outrora, Épicas causas quinhentistas, Dizendo-me que está na hora... De mudar correntes e banhistas!...