O fado e mais boémio pai, Nalguma mãe, velha fadista, Com a guitarra a dar um ai, Nos dedos de outro alguém E não esquecendo ninguém, Fosse ele qual o artista... Ouviam-se pregões nas ruas, Por quantas vielas de Lisboa, Entoando pelas janelas, Prantos de descalças crianças, Em embalos de esperanças, Nos braços de uma canoa... O fado foi poeta de belo berço, Coberto de belas letras, Entre notas desafinadas E corpos de mal-amadas... Velhinhas, passando o terço, Pelas pedras das calçadas, Enquanto a varina atrevida Dava maior sentido à vida... Era o genuíno e nobre fado, Por húmidas bocas cantado... Cigarro, entre dedos, apagado, Queimada laringe dum desgraçado, Senhores e donos do seu bairrismo, Em roucas palavras de eufemismo!...
Que mais haja para fazer, Muito além ao que faço E não beber para esquecer, Em belos momentos de festa, Num dia bem alvarinho, Passando ao lado da marca, Provando algum bom vinho, Verde, da garrafa que resta, Por estes espaços do paço, Já um tanto troca o passo, Em misturas de bagaço E neste tempo tão escasso... Ah, esta cabeça doidivanas, Quantas vezes de patranhas, Precisando de novo traço, Senhora de quantas façanhas, Algumas vezes já parca E naquilo que enganas!... Que se lancem foguetes, Que a música toca no adro E os pulos são brilharetes, Nos ritmos de qual quadro... Siga a música, maestro, Nesta postura de alvar, Sem esquerdino, nem destro, Que de problemas estou farto, Todos vindo a meu altar E crescendo como mato!...
Moçoila esbelta vai à fonte, Com sua cântara de barro, Passo matreiro e vista nua, Buscar água ainda virgem, Num mais sedento pecado... Lá vai ela, subindo o monte, Por caminhos de nenhum carro, Nesta vontade que é sua, Por terras de sua origem E da qual deixando recado... Vai contente, num tal cante E sombras de quanto chaparro, Moça graciosa, mas ainda crua, Lá avança, na resoluta viagem E sem nunca olhar pro lado... Trigueira, surda ao que se conte, Esconde-se por detrás do cerro, Houve piropos e nunca amua, Menina formosa e boa linhagem, Por campos de belo montado... Raparigota imaculada e radiante, Veste de chita, passada a ferro, Olhando planaltos de tal charrua, De quem a mira, numa sondagem, Mas de soslaio sorriso e recatado... Cachopa linda, com Sol de fronte, Levando fresca água e seu perro, Vai despida... da ideia e que é tua, Num airoso vestido, pura imagem, Por frescas horas do sol-nado...
Poesia, essa parente feia da escrita, Semântica em destroçar corações, Máquina de criar ilusões, Em tanta palavra infinita!... É ódio, paixão, fábrica de carinhos, Tudo o que estiver ao alcance, Nem que seja num relance, Arma, por entre miminhos!... Em cada estrofe há uma razão, Desse alimento de versos, Quantas vezes numa ilusão... Lágrimas decorrentes em papel, Ou de quantos corpos acesos, Pináculo em colunas e capitel!...
Quem és tu, de onde vens e para onde vais?... Quem te julgas ser, desse buraco donde sais?... A quem te olhas superior e feito qualquer rei, Berrando, como eu, aquando ao nascer berrei?...
Tu, que nasceste do nada, armado a importante, Daquela lista de aberrações, talvez de ignorante, Consegues pensar que e de todos, és tal infante, Aquela criança e feita adulta, demais embirrante?...
Não és nada, nem ninguém, além de certa besta E que, caminho fora, ostentas saliências na testa, Mas que te admiras ao espelho, reconhecido urso!...
Quem pensas ser, nesse teu ego e de maior idiota... E por que caminhos serpenteias, tal mestre agiota, Que a eternidade não alcanças, seja qual o recurso?...