É este o nosso verdadeiro fado, Somos um povo velho, cansado, Talvez mesmo que amaldiçoado, Tal gente sem cultura, nem arte, Ao abandono e entregue à sorte E quem assim não seja, que parte... Se algumas vezes tenho dúvidas, Noutras tantas comungo certeza E para minha miserável desgraça; Passámos a gente que dá tristeza, Gente assombrada pelo passado! Somos inteligentes, sem dúvida, Capacitados para o desenrasque, Mas simultaneamente esquecidos Naquilo a que resignamos o país E abocando-nos à mesa, fodidos, Tendo eu que comer do mesmo, Daquilo que recuso e nunca quis, Enquanto dizem que é de graça... Mas não, estando a pagar e caro! Somos uma gente de enfrasque, Do deixa andar para quão tarde, Hoje não importa, se nada arde E assim se somam dias, na vida, Em somas de vidas desmedidas, Por este rectângulo e sem norte, Vento de agouro e demais forte... Enquanto eu, crente, sigo o faro, Corpo preparado para torresmo, Neste mesmo batel e da morte!...
As circunstâncias são decisões Nas decisões das circunstâncias, Tudo é eminente de razões, Nas circunstâncias das valências… Pontos de partida e sem fins, Em fins que nem tiveram partida, São entrelaces e seus afins, Por vidas na pior largada… Recursos de qualquer sobra, Na chegada e despedida E sempre na pior manobra… São circunstâncias da vida!
Tu e que nos julgas, observa-te E mistura todos os teus caprichos, Dissolve-os bem, em água cristalina E repara o quanto esta fica turva!... Olha-te a qual espelho e julga-te, Preenche todos os negros nichos E verás que não és água de pura mina, Assim como a tua vida recta fica curva... Cheia de ondulações e sequelas, Rebites de alumínio e quase soltos, Chapa colorida de ferrugem, Tal o horrível trato que lhe deste... Contagiando todos, às tuas mazelas, Desprezando quantos com teus altos, Desfilando cores de pavão, tal penugem E por palcos que nunca mereceste!... Tu, que nos observas e mais nos julgas, Faz a sepultura a toda essa tua altivez, Desce do falso pedestal que construíste, Sobre inacabada arquitectura de ilusão... Desperta-te aos demais, aquando madrugas, Entende-os, pois que também têm a sua vez E deixando-te dessa arrogância que seguiste, Sentando-te à mesa, comungando cada razão!...
Serpenteia... desliza tudo tão rápido! O asfalto da estrada e as suas beiras, Esgueiram-se, como cobras pelo mato, Luzidias, reflectindo toda a luz do Sol, Que se vai escondendo, lá bem longe E que nos deixa sós, entregues à noite, Desprotegidos, em toda a soturnidade... Além, espelham-se as luzes da cidade, Nalgum céu e que também já teve luz, Não fosse o avançar do tempo, tardio, Por entre tais cores que a hora produz. Os pássaros, quase que não se ouvem, Pela hora de recolher, ao esconderijo, No aconchego de algumas penas irmãs E que sempre lá estarão pelas manhãs. Tal como eles, para mais Sul me dirijo E caso outros ventos não me chamem, A que a vida urbana me cheira a bafio E busca de outra telha que me acoite... Cada vez mais, não sirvo para monge, Nem as paredes são obras de meu rol E que é da liberdade que estou ávido, Em largas pelo campo, como um rato E a tanto libertino, fazendo asneiras. Escapa-se-me o tempo, pelos montes, Planícies e vales, em busca de fontes, Por serras, em que sopram os ventos... E regresso, recordando os momentos!
Recordo algum longínquo natalício, Eu, puto da província, das Beiras, Percorrendo quilómetros, a penantes, Porque transporte não havia E, se houvesse, menos era o dinheiro... Por mais frio que fizesse, Já pela noite, lá estava, frente à igreja, Olhando o largo defronte... No meio deste, um enorme madeiro, Assim como outros de menor porte, Já ardendo e aconchegando o ambiente E quantos da noite crentes... Era a chamada à missa do galo, –Não que algo me dissesse!–... Tempos que me falam e com inveja, Que hoje tudo é manifesto de outro vício... Ah, que saudade desses tempos E recordações de que pouco falo! Para o regresso, do pouco, algo se comia E isso sempre com alguma sorte!... Então, noite afora, lá íamos, Pontapé aqui e ali, pedras nas biqueiras, Com as lanternas de petróleo, ou azeite, –Quando não à luz do luar!–, Na ânsia de umas mantas e no deitar E sem nenhumas prendas pra deleite... Era, para quantos pobres, o Natal, Pobre e por muitos anos igual... Hoje, tudo não passa de recordações, Que me aquecem e a tantos mais corações!