Uma sombra e que se esconde, Enquanto se dobra as esquinas, Num engate e feito na pressa... Paradas, de pé, ou encostados E quais não ousam perder tempo, Pelo aconchego de um corpo... Quem o seja, pouco interessa E muito menos amargas sinas. Ouvem-se passos acelerados, Sem se chegar a saber de onde E animadas conversas num bar, Carros, em chiadeira, a travar, Cães que se aliviam, no mijar, Felídeos que fogem, sem olhar, Que e tão assustados, nem miam... E motas que roncam pela noite, Num pouco silêncio que resta E levando, quem mais se afoite, Ao chinfrim de uma melhor festa... Faltava o sabor de um jantar, A este encontro de bem louvar, Com toda a folia e vibrar E para mais tarde se recordar... E passadas as horas da janta, Em bons aromas a acompanhar, É ver aquele que mais espanta E por tanto que não saiba cantar... Trocam-se olhares, pelo café E entre contas na esplanada, Nalguns suspiros e de boa-fé E em que, por vezes, dá em nada... Ouvem-se gaivotas, que pipilam E observam-se estrelas no céu, Escondendo segredos e risos, Camuflados por invisível véu, Por algum disfarce das palavras, De pensamentos, demais confusos E de expressões tão mal lavradas. Rasga-se o trivial nocturno, Por alguém gritando ao de cima, No sono, de certeza e soturno E na manhã que se aproxima... Ouvem-se os carros, com intento, Guinchando os pneus pelo asfalto, A ver aquele que, no momento, Berrasse mais forte e mais alto... A puta da bezana era tal, Que já poucos conseguiam andar E uns corriam para um quintal, Outros pra berma e a vomitar... Fez-se, finalmente, silêncio E as sombras fugiram ao dia, Sentindo, na cama, delicio... Na barriga, tamanha azia.
Sou Capricórnio, comandante das montanhas, Vivo do que encontro e me cale as entranhas, Escalo pelas escarpas, por pedras e ladeiras, Vivo sozinho, em meditações e sem fileiras... Ostento os chifres, em desafio, Quando me desatinam os cornos, Levando tudo a reboque e a fio E sem olhar a contornos... Desço ao sopé, sempre que necessário E que o ambiente seja propício, Evitando qualquer ser mais ordinário, Princípios básicos do meu início... Defendo o rebanho dos maus intentos, Em abrigo e a melhores ventos, Afastando-me de trilhos de confusões, Quer sejam de predadores, ou ladrões... Sou bode do cume das extensões E inclinadas ao azul-celeste, Estudando no que alcançam as razões, Nesta vista em topo agreste... Um dia, quando já sem alento, Por aqui ficarei, nesta solidão, Neste meu jardim e panteão, Recordando qual e belo momento... E assim ficarei, até que o vento me sopre, Levando o restante pó dos ossos, Num gesto simples e nobre, Levitando-me por segredos e sonhos...
Vivo numa constante mudança, Nalguma diária transformação, Alinhavando com linhas de esperança... Tropeço aqui, escorrego além, Erguendo-me sempre à pressa, Sem vassalagens a ninguém, ... Tanto seja o ilustre figurão, Como a pessoa mais confessa. Estudo no tempo e na razão, Com mestres da escola da vida, Mestrados na pior confusão E sagrada disciplina aprendida... Vivo guerras, não me esquivo, Erguendo a espada em punho, No campo e batalhas que vivo, Hasteando a bandeira da paz, Tentando criar outro cunho, Daquilo que ninguém é capaz... Lambo as feridas, como um cão, As chagas que se vão abrindo, Dou de comida, estendida à mão E a quantos me a vão pedindo... Ostento o valor da humanidade, Com escrúpulos e sem vaidade, É sangue que me flui nas veias, Meu orgulho, que não semeias... Cultivo quanta noção de viver, Vendo o que mais faz sentido, Nunca deixando transparecer Qualquer dor de animal ferido... São setas e tão envenenadas, Vindas de todas as direcções, São veneno, pelas palavras E que entorpecem multidões. Vivo, cada dia, em alternância, Neste e preocupante presente, Inerte passado, em ignorância E sem futuro de quanta gente. Consome-me toda a escuridão, Dos dias que vão passando, As almas do mundo, a podridão, Em que nos vão afogando... São, estas, as minhas batalhas, Por campos alagados de feridos, Por nossa culpa, nossas falhas, Nos vamos arrastando... mendigos!
Se eu possuísse asas, como o condor, Talvez de águia, ou mesmo borboleta E porque não as de um outro?... açor! ... Voaria, sereno e tranquilamente, Por paragens que nunca idealizadas; Faria picadas de voo, tão repentinas, Sobrevoaria o horizonte, lentamente, Sem indagar o quanto vício de voar... Como águia, sondaria vales e serras, Do condor aprenderia o eficaz planar, Como açor, a celeridade de ataque, Perspicácia no golpe em cada saque... Como borboleta, subtil, na meiguice E melodioso bater de asas, interrupto, Num colorido de cortar a respiração... Faria proezas, arrebataria o coração De quem adora tais voos de pieguice, Paixões e demais sofridas incertezas... Bateria, sem parar, como serpentinas, Minhas asas, como se olímpico atleta Subindo ao pódio, em primeiro lugar, Arrematando tão desejáveis prémios Que outro alguém pudesse imaginar... Se tivesse asas, sobrevoaria palácios, De contos de fadas, sobre montanhas E que ainda ninguém ousou explorar, Ocultos no cume e nuvens de sonhar... Escolheria penetrantes olhos de coruja, Para as tão diversas saidas noctívagas, Em descoberta a alguém que me fuja, Por variadas montanhas e correntezas, Em tamanhas e mais ágeis escapadelas... Em tais soberbos voos e sua plenitude, Ocupando quantas as mais horas vagas Em minhas descobertas e meu sumpto, Mostraria toda a expressiva magnitude, O fulgor e envergadura de minhas asas, Orquestrado voo rasante sobre as casas, Como se numa melancólica despedida, Lançando estridentes gritos à partida...
Era óbvio que se iria criar ruído à volta desta imagem e foi um pouco a minha intenção. A inscrição Democracia, deveria ser lida Partidos, o que nunca aconteceu, pelo menos pela maioria e que me tenha apercebido; esses, sim, são Barrabás, enquanto Cristo define o Povo. Os partidos, ao contrário do que defendem e os defendem, não existem para servir qualquer povo que seja, pois que são, mais, ou menos, autoritários, bastando ver que são competitivos entre eles, logo procurando os seus superiores interesses, baseados nos seus dirigentes, caso contrário formariam um só e único, defendendo aqueles para quem se dizem designados. Enquanto se servirem os partidos, tal como estes desejam e nos fazem acreditar, muito mal estará o verdadeiro caminho da tão desejada e apregoada Democracia... Quando alguém me questionou, quem seria Jesus Cristo, por alguma razão respondi que Barrabás não seria de certeza!... O Povo, é o único caminho da Liberdade e Democracia, que tanto ansiamos, como se Pedra Filosofal. VIVA a Democracia, ABAIXO os Partidos!...
Das cadeiras deste estranho circo, Observo esta gente em rodopio, Correndo de um lado para o outro, Como galinhas, em cativeiro, Sem vida e sem dinheiro, Como loucas e perdidas, Stressadas, sem jeito nos pensamentos, Dias e noites, no mesmo e a fio, Prisioneiras de raposeiros argumentos, Em tamanha e louca desorganização, Acelerando, mas sem sair do local, Nessa dança silenciosa e infernal... Perdem-se na lacuna de uma razão, No rumo de um destino sem foco, Numa oculta raiva e pranto, feridas, Vertendo o que resta da ilusão, Por vidas inertes e de confusão... Correm e olham para os lados, Mortos-vivos e pasmados, À espera de qualquer sopro. Rio, choro e bato palmas, Sozinho, vendo estas almas E sentindo o que não entendem, Na pele de quantos sofrem... Pena, que os donos desta arena E galos do galinheiro, Procurando o melhor poleiro E argumentistas desta cena, Não se olhem aos espelhos, Num corredor de horrores... Da cartola não tirem coelhos, Mas, sim, uns senhores doutores!... São santeiros de figuras podres, Para um altar de malfeitores!...
Montes e olhares, para lá de Odemira E estradas molhadas, o que não admira, Tanta a chuva, por caminhos de Ourique E quem sabe, se siga, ou por aqui fique... Rumarei, à distante cidade de Beja, Mirando os socalcos, que fazem inveja, Ou contornando para a bela Mértola, Feito de sonhos em minha cabeça tola. O resto do pasto, molhado e encanto, Alimenta o tom ocre, nalgum espanto, Enquanto os pássaros voam, contentes, Felizes do Verão e seus sobreviventes. Tal como eu, preocupam-se com o lugar Por onde se possam esconder e pernoitar, Escapando a mais águas, ventos frios E que finalmente vão chegando aos rios. Havendo que encher este e vazio papo, Deixo, para trás, o maravilhoso campo, Indagando a popular mesa e repasto E enquanto os animais buscam no pasto. Chegada esta noite, pouco mais me resta Que esticar as pernas, coçando a testa E aumentar o olhar por tal imensidão, Por este respirar de paz, fantasia e paixão... Ouvem-se os perros a ladrar e, bem longe, Ovelhas que balem, uma vaca que muge, Prenúncio da noite fria e tempestade, Por entre conforto do que era saudade... Enrosco-me pelas mantas e de mansinho, Ouvindo alguma conversa dum vizinho, Esperando que o cansaço vá chegando, Mas ergo-me... e conto estrelas, sonhando!... Amanhã, é outro dia e nuvens lavadas, Pelo que me farei e de novo, por estradas, Sentindo outras esperanças, novo calor E, quem sabe, talvez que a cura desta dor...
Sou cópia de mim próprio, Espelho da minha imagem, Dalgum consumo impróprio, Tal produto de reciclagem... Certeza de não ser clonagem, Muito menos cão amestrado, Povo e que, na vassalagem, Já nem se sente enganado. Quero continuar a pensar E por meu raciocínio, Ouvir, aprender e guardar, Na razão e vaticínio... Poesia por entre prosa, Frases feitas a descoberto, Neste escuro cor-de-rosa, Cor pintada a céu-aberto. Quero ser arma carregada E sem vontade de dar tiros, Mas ser a bala disparada E do lado dos mais feridos. Sou a atenta ratazana, Deslizando pelas fileiras, Mordendo qualquer sacana Que aponte suas biqueiras. Só nunca quis ser a toupeira, Oculta, na ignorância, Cega, uma vida inteira, A enredos de paciência... Limpo os olhos dessa areia, Que nos sopram para a cara E, farto de tanta panaceia, Já tenho solução que sara...