É-me demasiado revoltante, Ouvir, na rádio, locutores, De voz mansa, senhores doutores, Gente, estúpida e ignorante, Como tantos outros na terra, Agradecer aos céus e irónicos, O bom tempo, fora de época... Se não tendo horta nas costas, É dela que se alimentam!... Mas só pensam lavar o rabo, Em praias que nem estimam, Ao longo de qualquer costa! A esta ignorância vão estas notas, Tanto acima de qualquer guerra, Nesta escumalha de penicos, Piores que qualquer bosta E doutoramento de nabo... Canalha parva e de cabeça oca! Estou farto... céus, fico furibundo E o ideal seria ser surdo!... Se só necessitam de banho, Comam do vosso mundo estranho!...
Questiono, mesmo, quem sou?... Se serei um simples idiota, Que, um dia, nos bate à porta E que por outras se esquivou, Pedindo para entrar E cheio de bem-falar... Serei merecedor que me oiçam? Quem sou eu, que te perturbo, Afirmando ao que me forçam E que, por tal, disturbo... Deixo esta questão no ar, Se vale a pena ao que gritei, Ou se o melhor é parar? ... Em tanta certeza eu sei: Que não sou nenhum agiota, Vivendo à sombra de alguém E, porquanto, pouco importa Se sou um mero zé-ninguém!... Questiono, – sim! –, quem sois vós, Se merecem os vossos pais, avós, Ou se vivem, por engano, Neste mundo, por vós, profano?...
Pingam, pingam, estas gotas, Neste aproximar de Outono; De tão humildes que são, Vão pingando, de mansinho, Como se melodia de sono, Por palcos de cada ano... E em despedida ao Verão. Pingam, pingam, em carícia, Apalpando, em tal malícia, Qualquer corpo e pouco pano... E desenham telas molhadas, Levam arte a secos terrenos, Às mais poeirentas calçadas, Ou quantos caminhos amenos. Pingam, suaves, como pranto, Belas aprendizas de cascatas... Gotas de amor e seu encanto. Pingam, arquitectando sonhos, De quietudes, jardins tamanhos E que nos deixam pensando, Quantas vezes a cismar... Olhando ao longe, nessa calma, Como se uma voz chamando E se vale a pena por aqui ficar?... Pingam e aceleram a nostalgia, Tais ternas gotas, em despedida, Enquanto ficamos, dia após dia, Nesta melancolia, moendo a alma, Cada qual no seu cantinho E nalguma ilusão cumprida...
"Não há machado que corte A raiz ao pensamento...", Não há solução para a morte, Nem para a força do vento... Toda a verdade que me ocorre, Ou a proclamo, ou rebento! Toda esta energia, que sustento, É audácia, critério, argumento, Esperança, que nunca morre, Afiada arma, com que mato, Neste meu crer, guerreiro nato E que quero repartir... Com quem me quiser ouvir! Estudo as armas que tenho, Com toda a força e empenho, Indo de encontro às nortadas E de guerras malfadadas... Não dou ponta de fraco, Embarcando neste meu barco E navegando a barlavento, Por águas turvas, de lamento, Seja a motor, remos, ou velas E só me interessando aquelas Que me levam a bom porto... Não quero morrer, já morto, Nem aumentar o sofrimento!
Não quero que me dês razão, Ou que penses como eu... Quero que penses na questão, Que absorvas do momento, Que medites no pensamento, Simplesmente... que penses! Quero que enfrentes o assunto, Em raciocínio lógico e aberto, Sem te preocupares com o meu, Nem pensares se me convences, Mas comendo desse teu fruto, Sem poluentes à volta... Despindo-te desse teu luto, Que o restante pouco importa! Pensa e sonha, na forma mais correcta, Tanto mais que o pensamento educa, O sonho é caminho da vida E na forma mais concreta... Critica, sem te preocupares se machuca, Até à hora da despedida... Mas pensa!... mas pensa bem, Que eu vou pensar também, Como qualquer outro alguém, Naquilo que daí vem!...
Tenho necessidade de desabafar, De dizer o que me vai na alma, Sem preocupação que levem a mal, Se sou besta, ou animal... Quem gostar, sabe aquilo que come, Quem não tanto, põe à borda do prato!... Estou farto, de gente que tanto dorme E de ti, que não me és grato... Já não preciso de padrinhos, Porque não me penso casar E, – por erro! –, baptizado já estou! Quero usufruir desta minha calma, Tentar o melhor com os vizinhos E braços abertos a quem chegou... Curtir, sempre dentro dos limites, Não esquecendo os meus princípios E na moral que consegui... Abraçar os caminhos que segui, Exemplos que me foram indícios, Mesmo em tempos indigentes... Bebo desta inalterável probidade, Em percursos rectos e cultos, Fonte de máxima prioridade, Fazendo questão dos mais justos... E, deambulando por entre vultos, Dou sementeira a ensinamentos, Misturado com o vulgo, Aqueles a quem mais me julgo...
Estou farto destes bairrismos provincianos... Que importa se somos madeirenses, Quão distantes, arrojados açorianos, Para lá do alto da serra e leais beirões, De rija cepa, calculistas transmontanos, Minhotos, de paisagens verdejantes, Do Douro e sei lá quantos outros desvios, Cavaleiros e valentes campinos ribatejanos, Pescadores, ou ilustres algarvios, Pachorrentos e nobres alentejanos, de safões?... Se têm tanta garra, exijam de volta Olivença, Façam algo que me convença, Que somos únicos, unidos e portugueses... E por egrégias causas sejam combatentes!
Há bichos, que não toleram animais, Genuínas bestas, sombras de bestiais E pensando que são pessoas... Esta é a verdade, de bradar aos céus E por demasiado que te roas!... Mas ser pessoa, é muito mais, É ser sensível, ter pensamentos reais!... Não basta bater com a mão no peito, Feito de santo, de qualquer jeito, Acreditando no Criador... Sim, Esse, que criou tudo e todos, – Não para mim, que não sou crente, Mas para quem lhe é temente! –, Com o seu mais devoto amor E ao sétimo dia descansou!... Sendo tu um desses loucos E que rezas a essa treta, Entregue a esse místico Deus, Que erradamente te criou, Sê bestial e deixa de ser besta!...
Deixo vénias ao consciente motorista, Não importa se é homem, ou mulher... Importa que não se arme em artista E em macabra postura de ignorante, Sempre atento, para o que der e vier, Conhecedor para que serve o volante E que se não julgue o dono do asfalto... E não ande ao telemóvel pendurado, Desviando-se e não só em linha recta, Provando o quanto não é chanfrado E na possível condução mais correcta... Deixem-se, porém, de ser tão estúpidos E armados em campeões de estrada... Baixem esse apêndice facial, tão alto E respeitem a berma, tão esquecida, Dos caminhantes, animais, ou outros, Merecendo essa autorização que têm, Pois que e tais, também são alguém!... E nunca atropelando quantos e tudo, Arrogantes, como se donos do Mundo! Sejam ases do volante, responsáveis E deixem-se de tretas condenáveis!...
... Em algumas folhas de reles papel, Embrulhava uma amostra de farnel E fazia-me à vida, enquanto era dia. Faltava-me vinho, para cura da azia De um estômago, já de si tanto seco E que, há uns tempos, pouco comia... Foram tais, meras palavras contadas, Por aquele transeunte de estradas, Descansando por um qualquer beco, Enquanto o restante mundo dormia...