Entrego-me no tempo, Esse malvado, que passa, Célere e se afasta... Sacode-nos, sem compaixão, Acaricia-nos de mansinho E trama-nos com papas e bolos. Corro a seu lado, por paixão E sem nunca o abandonar, Acreditando na promessa, Em tamanha falaça, De que não nos alcança... Como somos tolos! ... E acelero o meu passo, No seu ritmo e compasso E cansaço, que me salta o tampo! ... Nessa sua pressa, Fecha-nos a última porta, Dessa rua e agora travessa, De esguelha a norte E qualquer sorte... Ele, sempre meu vizinho, Está-me prestes a condenar! ... Nesse seu veloz caminhar E sem o conseguir acompanhar, Eis senão quando me arrasta, Pela mais curta via da encosta; Para trás, por portas travessas, Ficaram surpresas e promessas...
Nas asas de um condor, miro, do azul, As terras que me vai retendo a visão, Enquanto busco as correntes quentes, Serpenteando por entre colinas e céu. Foram-me emprestadas, por tempos, Para que observe o Mundo e do alto, Nos melhores e nos maus momentos, Tentando entender as várias frentes, Acordando, de vez, de alguma ilusão, Sobrevoando, sereno e de Norte a Sul, Por entre controvérsias e sobressalto, Ao que me é respeito e tamanho réu. Nesses voos, pela infâmia e desgosto, Sinto meu corpo triste e já sem gosto, Num afastar do rumo à fiel concórdia, Neste exposto Universo e de discórdia Em que todos esgadanham na glória, Escorraçando o valor da misericórdia; Estendo as asas, em grito de solidão, A quantos me clamam compreensão. Nestes meus lugares e já sem espaço, Sinto a minha impotência, uma falta, De quem mais quer, que um abraço. Regressando ao cume da montanha, Fixo o meu voo a meu ninho agreste, Tentando perceber tanta artimanha, Fitando na distante abóbada celeste E questiono o que à cabeça me salta... Entrego os alados membros, cansado E aguardo o tal apocalipse anunciado...
Neste silencioso chilrear dos pássaros, Imito seus cantos, noutros compassos, Lanço meus voos por outros universos, Sobrevoando sonhos e outros paraísos.
Num saltitar, de ramo em ramo, piam, Na inocência, devaneios, como picam, Na única preocupação com que ficam, Retendo este meu olhar, que os fixam.
Como prova das vénias desta gratidão, Aproximam-se e em tal compreensão, Que meu coração acelera na pulsação.
São momentos mágicos e tão únicos, Que penso absurdos, de tão oníricos, Se tanto não fosse em meus espaços.
É no maior dos silêncios Que se apuram pensamentos, Que se vivem melhores momentos, Que se entrelaçam sentimentos... Que se curam as piores desilusões, Que se constroem ilusões, Que se questionam razões E se armam rebeliões... Que se suspiram prazeres, Que se projectam afazeres, Que sonhas os teus lazeres No silêncio do que não disseres... É nos silêncios profundos, Que se descobrem outros mundos, Que se conspiram jogos imundos, Guerras, negócios, amores escondidos... No silêncio e recanto da noite, da paisagem, Tudo é perfeito, numa possível miragem, É um recompor da coragem Por entre tanto selvagem... É cura de arrepios, ganhar de confiança, Um rebuscar de toda a lembrança, Criar batalhas de nova esperança E sem receios da sentença... Mergulhar no silêncio, é ter vontade, Fazer contas à maldade, É ganhar fôlego da liberdade, Sonhar um mundo de fraternidade... O silêncio, é o redimir da ostentação, É pensarmos na nossa razão, No que houver de confusão, Abrindo as portas do coração... A busca do silêncio, é indagar o lamento, Suturar as feridas do sofrimento, Fazendo da solidão do Universo alimento E deixar fluir a imaginação, como o vento...