Podem navegar da Terra à Lua E em mais que seja à sua volta, Sentir vestes e com a pele nua, Ser corrupto e andando à solta; Podem adoçar o mar com mel, Negar as labaredas do Inferno E confeitar guloseimas com fel, Dizer que o Verão é o Inverno, Apagar a intensa luz do astro, Soprar os ventos com um fole, Construir, em barro, fiel castro, Adornar ferro com maço mole, Ouvir as palavras de um mudo Em quanto e belo para contar, Sussurrar segredos a um surdo, Começar uma guerra a acabar, Oferecer esmola ao milionário, Roubar um pobre, já sem nada, Chamar de louco ao visionário... Porém que a terra gira parada, As árvores nascem ao contrário, Que a morte são contos de fada E que os jazigos são fontanário... Que a panaceia foi encontrada! Mas algo é real e mui doloroso, Mesmo que não queiramos crer: Este mundo é trajecto duvidoso, Dando gozo ver outros a sofrer...
Debruçam-se do seu castelo, Bem alto, caindo ao mar... Afogados em uísque e gelo, Gente fina, sem saber nadar, Mas cantando como melros, Surgidos de trás dos cerros, Pedem a quem os possa salvar... São pobres, havendo que ajudar. É meu dever participar, Nas minhas míseras braçadas, Não vá o pobre afundar Em águas não desejadas. Lançam-se coletes de salvação E tocam a rebate os sinos, O triste já estende a mão E este é um dos finos... Coitado, que pena dele, Está leve como uma pena, Pouco mais tem que a pele E, de longe, já me acena... Mas foi resgate conseguido, Proeza de bom cidadão, Que é quem fica mais fodido No meio desta confusão...
Olhando-me ao espelho, não me reconheço, Tampouco sei e entendo, se tal foto mereço, Procurando todos os ângulos e que possíveis, Mesmo o de retro, ou outros menos credíveis.
Na medíocre conclusão de imagem, desisto E olho, na contemplação do tempo, o tecto, Assim ficando, como louco mirando o trem E besta passeada por animais, que aí vem.
Talvez que, nalguma visão mais deformada, Aviste a verdade, de outra tão deteriorada E das piores aberrações alguma vez já vista, A mais imperfeita aguarela, tela de artista.
Procuro, busco e rebusco e sem encontrar, Com tudo à minha frente e sem enxergar, Tal é o mísero estado da minha percepção E em que não percebo a exposta condição.
Cego, é aquele que vendo nada quer ver E não o outro, pois sem ver, no entender Tudo vê, tanto que, provido da perfeição, Utiliza o pensamento tacteante da razão.
O espelho é a obra-prima de quem busca E de quem não se esconde no que ofusca, De quem bebe na coragem e na vontade, Semeando campos, caminhos da verdade...
E nunca se regala à mesa comendo frutos Como seus, mas da transpiração de outros; É essa alguma, visual ondulação distorcida, Que longe deste meu corpo anda perdida...
Respeito todo o mundo, da direita à esquerda, qualquer que seja a sua raça, etnia e orientação religiosa, política, desportiva, ou sexual. Procuro nas pessoas o ser e a sabedoria, com o qual se distinguem dos demais, o seu reconhecimento da sociedade e sem olhar a estatutos, pois que somos e nascemos todos iguais, à mão da mesma matéria do espaço sideral. Percebi, com a licenciatura da vida e do tempo, que estamos de passagem e seguindo no mesmo caminho, não valendo a pena mergulhar na ilusão da superioridade e que a única coisa que transportaremos será a responsabilidade do bem e do mal, que neste Universo deixámos. Odeio gente estúpida, invejosa, hipócrita e arrogante. Adoro pessoas humildes, sinceras e honestas, independente da sua classe social... Não compro embalagem, mas produto.
Venho da terra de ninguém, Arma às costas, zé soldado, Sem rumo no meu destino, Indo por aqui, ou por além E diversas vezes parado, Olhando a cor do sol-nado, Como em pega de forcado... Moinho, pano sem vento, Armado em cata-vento, Mó, de corrente parada, Moleiro, mas sem farinha, Numa terra desgraçada De qualquer vila sem sino E azarada sorte minha... Soldado enviado à guerra, Sem arma, nem munições, Subindo o monte e a serra, Sem nenhumas condições. Limpo as pedras da calçada, Num rastejar matinal, Sou escravo durante o dia E regresso à noite igual... Nas algibeiras sem ter nada, Do que alguém me vendia. Sou cinza no meio do fogo, Carta falsa de qualquer jogo E inventado a uma mesa... Partido e repartido E muito bem dividido, Sou mais um e sem defesa, Na mais profunda certeza, Chapinhando na pobreza...
Encontro-me perdido por esta floresta, Nestes pântanos de areias movediças, Ovelha negra no meio de um rebanho, Escolhido pela mais devoradora besta, Rodeado de falsidades, tantas crenças E como criança afogada no seu banho.
Leitor de contos negros e devastação, Escritas diárias de azul sobre as letras, Ocultando as verdades, na exploração E deixando imprimir o que são tretas, Nos negócios de parceiros e mentiras E numa vontade de os fazer em tiras.
Jornalistas de convento e de calúnia, Enfartando e bebendo por tal conta, Construindo lindos castelos de areia, Usando da ignorância, pasmaceiras, De quantos os apoiam pelas dunas, Pois as ondas não são a sua monta.
Nesta fértil imperícia, vemos razão Em todo e qualquer conto poluído, Truques a que não se arrependem, Diárias montras, ofertas de ilusão, A quanto e mais honesto carecido E nos interesses a que se vendem.
São contos da carochinha, sonhos, Que nos espalham porta adentro, Em semelhante praga de piolhos, Farsas, jogos e em que não entro E não porque seja o mais esperto, Mas que há muito ando desperto.
Jornalistas, jornaleiros, tanto faz, São já poucos existentes e capaz, Mas por de mais os maltrapilhos E que nos impingem trocadilhos, Pois, que não tendo outro saber, É bosta que nos tentam vender...
Amestrados parceiros de víboras E charlatões, vestindo de santos, Usados de frente, perfeita pega... Ao dinheiro, que ninguém nega, Às mais diversas e reles intrigas... Porcos, grunhindo, como tantos.
Esculpindo as guerras de loucos, Com gente a morrer aos poucos E nós, olhando, feitos de moucos, Tudo engolindo, calmos, calados E olhando para os diversos lados, Evitando a luta, feitos de parvos.
À mesa de cabeceira paira a luz, Na penumbra do jornal e já lido, Papel manchado por manchetes Que nada na verdade nos induz, Que deveria ter sido consumido Em chama de lenha e briquetes.
Pobre cultura e em tais médias, Em que tudo é validado e usual E pouco mais resta de tão sério, Em promoções do fácil e banal, Semelhante droga nas artérias, Em orgias de festa sem critério...
E que as prensas têm que rolar, Seja que notícia e de onde vier, Tal que o importante é o valor... Dos cifrões e seu doentio sabor, Omitindo o que não for pra ver E aniquilando quem ouse lutar.