Observo-te, gaivota, nesse teu planar, Firme, suave, confiante e sobre o mar, Olhando à tua volta, cheia de ternura, Num voo frágil, nessa orla de frescura... Nesse deslizar sobre as vagas oceânicas, És a liberdade à consciência do homem E ao demais que à sua volta é inóspito, Numa irrecusável viagem ao imaginário, De sentidos inexistentes no vocabulário, Nas tuas idílicas e contorções platónicas, Transbordando de lírico e tanto saber... Ao olhar de quem te tem mais cegueira, Na sua mais adulterada forma superior, Ou quem escalou o pódio da ignorância E beijada medalha, em etiqueta brejeira, Malogro de qual e inconfidente inocência, Esquecendo tudo, num magistral clamor, Perdendo-se no fundamento do seu ser, Buscas, delicada, terna, volátil, ao discreto E tão matreira, a razão de qualquer futuro No que te baseias, vago aos que dormem, Não percebendo o vigor de outro destino, Parados no tempo e à sorte de tal agouro, Em que tuas viagens são obra de paladino, Desenhando os céus, no mais latente rastro. Sinto o suave bater dessas tuas serenas asas, Sacudidas à ânsia de paragens mais remotas, Sem o sopro da menor brisa a meu encontro E, assim, me fico, neste humano confronto, Imperdoável e injustificado sentimento, Que nem tão-pouco faz parte de lazer, Quanto mais parte de qualquer prazer... Tu e porventura, ignorante ave dos oceanos, Tu, vagueias pelos diversos espaços frondosos, Enquanto eu, na mais nomeada inteligência, Prendo-me a este meu confinado espaço E, na maior ignorância, o agarro num abraço, Como se nada mais houvesse além horizontes, Diferente raiar, outro luar, para lá dos montes, Nalguma estúpida prisão da humana sapiência. Voa!... tu, que és insignificante aos nossos olhos, Mas que nos és mestra nas descobertas da vida E na primazia do culto da mais pura verdade, Sendo que neste Universo somos a despedida, Em que tudo seremos, no melhor, ao partirmos... Voa!... Voa e sonha, nessa majestosa vontade, Fazendo-me inveja do que em ti me liberta, Pois que nada mais consigo, nesta parte incerta, Da qual queria partir, levando algo demais comigo, Esperanças, forças, a saudade do melhor amigo, Ou tanto mais que não confesso, no maior segredo Em que esta vida se tornou, num tanto degredo, Mas sem qualquer pena, tamanho é o meu sentir... Voa!... Voa, gaivota, leva-me contigo, nesse partir, Dá-me asas, ensina-me, nesse teu saber, a voar... Liberta-me destes sonhos... Ensina-me a sonhar!
Olho além da distância da colina, Em olhos de águia, como ninguém, Procurando, na penumbra, mais além, Tudo aquilo que não enxergo pelo caminho. Sigo firme, pé atrás de pé, neste sozinho, Mas tão junto a ti, que ninguém imagina Como me sinto confortável nesta caminhada... Porém, tudo é opaco e sem saber a razão, Tal a minha cruzada nalguma solidão, Em que e de longe dou por terminada, Tanta a esperança do sol-posto além distância. Mas gera-se a confusão na minha mente, Sempre que alcanço o topo do tudo ou nada, Em que tento compreender este latente, Como se oculto odor duma divina fragrância, Em jardins do Paraíso, como contos de fada... E paro, olhando o infinito, louco de fúria, Sem nada perceber o que para além me ilude, Muito para lá do que observo ao meu desejo, Preso no paladar de algum último beijo, Ou de algo mais, nesse horizonte de luxúria E em que fazes da estrela que se esconde. Agora, que estou cansado, descanso neste ermo, Tanto que atingi o cume da solidão e do inferno, Longe, no entanto, de conseguir o termo Para o qual me propus e que, neste meu cerno, Irei alcançar o limite da bem-aventurança, Tanto que essa seja a minha última esperança... Lá longe, ficará a última colina, o desespero, Enquanto, aqui, terei o limite do que espero...
Vidas... cavalgadas batalhas perdidas, lutas vencidas, Em campos ocultos, de altos e baixos, íngremes, Como nuvens ao vento, de contrastes acutilantes, coloridas, Em gritos sofridos, agonias, pensamentos distantes, Correndo contra o tempo, tudo e todos, Como estudada grafia, imagem latente Em cuvete revelada, em luz de pensamentos, Sempre longe, mas tão perto, ali ao lado, tão presente. Vidas... essas ornamentadas e fadadas ilusões, Sempre prontas, arrumadas em virtudes, Sempre vivas, doridas, como latejantes corações, Mas que, cada dia que passa, muito menos te iludes... E em que ficas presa, num espaço, em tamanho pranto, Pensando que a vida é tudo e só isso E que nada mais existe, para além desse canto E assim ficas, triste e só, tanto quanto eu, em absurdo submisso...