Sob azul-celeste, na tranquilidade, Espaços melancólicos e serenidade, Se estendem teus campos doirados, De um amarelo intenso de riqueza E cintilante orgulho da tua nobreza; Em manchas de um profético verde, Na mais constante luta à liberdade, Tanta que é a esperança, vitalidade Desta gente, que a pouco mais cede E para nosso imperceptível espanto, Que a um pôr-do-sol além do cerro, Que, de tão belo, é lindo de morrer, ... Bastando comungar de tal prazer! Dobrado ao cajado, a teu apascentar, Seguindo essa orquestra de chocalhos, Mimando o rebanho, entre o assobiar E procura do passar alguns barrancos, Ou teu árduo trabalho nos montados, Buscas a energia no interior do tarro Que contigo transportaste no tempo, Sentado no banco de qualquer cepo... E nas escassas sombras de um monte, Nalguns pensamentos de pouca sorte, Há sempre quem mais a voz levante, Ao balançar duma dança de encanto, Entoando, em uníssono, algum canto Que mais se parece a certo lamento E, de teu, lhe chamas de teu cante... Nessa tua e de artífice, loiça de barro, No acolher da sombra de um chaparro, Há o paladar de um manjar de migas, Prato mais suave de apetitosa açorda, Em maravilha, embalado por cantigas E algum acompanhar de carne gorda. Rogo o trago desse teu néctar de uva, Que, por uma, ou outra vez, me turva Por entre o beber da tua água fresca, Que te lava o rosto e melhor refresca. No vermelho sarapintar de papoilas, Em percorridas distâncias por safões E olhar discreto de algumas moçoilas, Se mostra a cor de ternura e paixões. Neste hino, ao teu branco de pureza, Em bebedeira de tantas outras cores, Sublime obra, entre campos de flores, A essa tua genuína extensão marrom, Irresistível odor, tal inconfundível som, Alentejo, é que mais me fica a certeza Que, nalguma distância, irei cá voltar... Não pra de novo partir, mas para ficar.
Roubem-nos tudo, menos a dignidade; Roubem-nos o que trazemos no corpo, Deixem-nos despidos, sem nada nosso, Levem tudo, mesmo o que não é vosso. Roubem-nos as migalhas, em impostos, Pois somos um povo de bem-dispostos, Massacrados, enganados, sem maldade, Em paz, mesmo com a cabeça no cepo... Orquestrem o favorecer à expropriação, Uso e abuso nos direitos de propriedade E toquem a vossa melodia de usurpação, Não interessa como, sem dó ou piedade. De nada tenham medo... e roubem-nos, Tal que somos impávidos, mas serenos! Cortem-nos as veias e vendam a carne, Engarrafem as nossas já pobres lágrimas E bebam-nas, nos vossos festins e farras; Convidem para a festa a melhor fanfarra, ... O zé-povinho paga e lança os foguetes! Nas nossas costas, troquem de galhardetes E nunca nos temam... já não temos garra! Tão-pouco unhas, para coçar algum acne, Pois que até essas nos roem para vender E nos espremem à última gota de sangue, Nos sugam as entranhas a seu bel-prazer, Na faminta fera, raivosa, que nos segue. Roubem-nos tudo do que já nada temos, Obriguem-nos ao trabalho e sem salário, Dia e noite, sem qualquer tipo de horário, Sirvam-se do vosso estatuto de usurários, Sem a mínima compaixão aos sofrimentos Daqueles que tal exploram como escravos; ... É para isso que vos colocamos no pódio. Deixem-nos nus, sem cêntimo na carteira, ... Deixem o pó que nos resta na algibeira! Saboreiem o prazer de todo este meu ódio...
Neste riacho e nesta pedra me sento, Onírica paz, num chilrear de pássaros, Em amena sombra em que descanso, Revigorante frescura, vinda de Norte, Ora flauta, ou fagote, soprada melodia, Falando-me em segredo e doce mote, Perdida no meio de sibilante melancolia; Neste paraíso me confesso, me baptizo, Mergulhado em incógnitas de meu juízo... Mas nem tudo é perfeito, tão-pouco real E neste bom tempero há demasiado sal, Águas torcidas, percursos de amargura, Nalgum serpentear, límpido, mas lento, De correntes insípidas, amarga secura, Em bebedeiras da vida e trivial procura... É um girar do rodízio, de tão pouca dura, Moendo o pão que o diabo irá amassar, Na força motriz de qual água a passar E que me faz esquecer alguns reparos Na minha existência, enquanto penso. Aqui me declaro neste confesso afronto, Tamanha e contínua luta de sobressalto, Na suave neblina matinal, que se dissipa E enquanto me refresco, de alma limpa, Nesta água cristalina, célere sem cansar, Procurando um rio, esperança pro mar... Ai!... Como eu gostaria de ter asas, voar Ao longo do teu deslizar, sobre ti sonhar, Fugir para essas e longínquas paragens, Matar minha sede em outras margens, Regar meus pés nesse teu sedoso leito, Procurar-te no melhor e ao meu jeito, Lavar minhas chagas, alguns prantos, Descansar, finalmente, de tormentos...
Procuro estabelecer algum equilíbrio, Algum bem-estar que me reconheça, Confortante sonho que me adormeça, Nalgum espaço em que me distancio, Ou, se noutro, muito bem mais além, Diferente sentimento que daí advém; Se, num passado, noutro lado nascido, No futuro, noutro espaço ter morrido, O destino do mais comum dos mortais, Pois que assim seja, certo e nada mais. Serei sereno, em tal vigor do Universo, Ao pó, tanto algo de mais controverso, Pois que dele sou, seu malogrado filho, O que restará da vida, como andarilho. Serei pedra, areia em qualquer calçada, Passeio que nela te sirva de protecção, Serei a montanha, voz da minha razão E, um dia, no meio de tantas vertigens, No final de toda esta louca caminhada, Aí, sim, regressarei às minhas origens...
Sonhar, é olhar, no céu, as estrelas E abraçar, do alto da falésia, o mar; É colmatar alguma casa sem telhas, Sentir o doce desejo de te encantar.
É saber em tudo o valor da esperança, Gritar a força da verdade, numa colina, Recordar o que já não era lembrança... Olhando a planície no meio de neblina.
Sonhar, é sentir a chama nalgum corpo, O encontrar a luz na escuridão da noite, É ser rubra papoila ao longo do campo, O nascer ao mundo, atestado de sorte.
É sentir-se ébrio em tamanho espanto, Em límpidos nascentes, rios de alegria, Graciosas serenatas, noites ao relento, Na escolha perfeita de louca fantasia.
É ser supremo na suprema resistência E nunca beber das águas a seu pranto; É saber repartir do pouco de existência, Alcançar as cinzas da vida por encanto.
É o agradecer do pobre, numa esmola, Espalhar flores pelos campos de guerra, Libertar um pássaro de qualquer gaiola E o suave voo das aves, no alto da serra.
Sonhar, é sentir-se bem neste Universo, Sentir-se seguro, no meio do turbilhão, Procurando a solução no mais adverso E sair incólume de tamanha confusão...
Sonhar, será a lírica de qualquer poeta, Nas suas mais sentimentais acrobacias, A ilusão, a morfina de qualquer pateta, Mas nunca será o freio das criancinhas...
Olho por mim, de alto a baixo E procuro-me por mim acima... Se a muitos nunca me agacho, Aos outros cago-lhes em cima... Sobram-me os que interessam! Uns apontam-me de comunista E outros olham-me de fascista... Para vós, idiotas na minha pista, Sou diferente... Sou humanista! Eis, então, a questão que deixo: Quem sou eu, para mim, afinal?! Nunca procurei nenhum tacho... Pelo que não me olhem ao dedo, Nem me interessa o que digam, Muito menos me metem medo E nem tão pouco vos levo a mal! Olhem para o que têm à frente, Enquanto se miram ao espelho, ... Talvez acordem de repente, Se estudem de certo esguelho! E se, de futuro, alguém chegar Ao que hoje em dia pensa ser, Nunca se esqueça de ensinar O que valeu a pena aprender...