Olho a imagem que vês, Ao espelho, nesse teu quarto, Delírio desse teu corpo, Num outro igual ao teu, Nessa tão bela imagem, Doce pele colada à tua, Movimentos de massagem, Em luxúria suave e nua, Sem noção do que vos deu... Soberbo convite a três, Louco jogo de encanto, Em loucuras sem limite, Sem haver regra que dite O desejo a que não escapo E meios que o glorifique... Neste encontro de sedução, Não sei se vá, ou se fique No espasmo dessa paixão...
Como o tempo nos convida à riqueza do saber, Nos provoca e excita a ponderar a arrogância; É diploma escolar, universidade da viva ciência, Pilar na tempestade, monumento a proteger.
É analgésico, calmante, suturar da pior ferida, Tábua rasa de pensamentos dos dias de suor, Resolução profunda de tudo designado amor, É filosofia, purga na ressaca e reflexão da vida.
Tempo, é o tempero do cozinheiro de ilusões Nos trilhos do real, o curandeiro das maleitas, Pena do não conseguido, das ideias desfeitas; A bússola imaginária na maior das confusões.
Só que o tempo não se alcança, mas perde-se, Nunca se reencontra, por muito que se queira, Sem lhe darmos o seu valor, tamanha asneira E, por tão procurado que tem sido, esgota-se.
Ai esse tempo, límpido e sarcástico camarada, Esse matreiro usurário e usurpador do alheio, Que nos espreita a cada esquina, de galanteio, Que tudo leva, à sua revelia, sem deixar nada!
Sinto-me verdadeiramente impressionado Com estes genuínos, tão estranhos animais; Caminham, cagam e mijam em todo o lado E, irónico, destroem seus habitats naturais!… Sentem-se bem, neste tropeçar na merda, Nos resíduos que largam por onde passam, Cospem pelo chão, escarram o que podem, Nalgum coçar do nariz em roupa que fede. Deitando fumo pela boca, ou pelas narinas, Incham, grunhem, tudo isto enquanto falam E arrotam lindas palavras, na maior manha; Parece que rebentam... mas não explodem! Atropelam-se e matam-se uns aos outros, Deambulam na selva urbana, como porcos, Comem sem fome, mais bebem sem sede... Mal-empregado produto, verdadeira perda! E odeiam-se, sem a menor razão aparente, Cuspindo os seus, como cobras-cuspideiras, Guardando, bem seu, uma verdade latente. De todas as espécies, é a mais estranha... Na minha ignorância e de tão estranhos, Se não soubesse, não diria serem humanos!
Sei que um dia o meu corpo irá partir; Nessa humilde e tão concreta certeza, Nada mais me resta, senão este exorar Que não quero prantos, ou cerimónias, Qualquer tipo, muito menos religiosas, Pelo que não partilho qualquer deus... E Cristo, homem, é minha testemunha, Pois que e esse sim, nunca o reneguei; Não digo que sejamos carne com unha, Mas matéria em que poderei acreditar. Ter alguém a meu lado, triste no fingir, Não será, por mim, do mais desejado, Tanto que me fartei de ser enganado. Embora na saudade de quem deixarei E verosímil sofrer de quem me amar, Assim e igual partida de tantos meus, Por tudo o que fiz, nalguma nobreza, ... Nada mais quero que um lembrar!
Dos líderes, eis que partiu um dos últimos, Um dos homens com substâncias ímpares, Mergulhado nas mais profundas convicções, Que nunca se recusou à luta dos inocentes, Dos oprimidos, dos operários e esquecidos, Mesmo quando outros lhes foram ausentes, No maior respeito às mais diversas opiniões. Nessa luta, foste sempre uma voz, a razão, Mesmo que nalgumas e raivosas desilusões E mesmo esses te devem alguma gratidão, Porque também tens direito a imperfeições. ... Assim serás recordado, camarada Soares!
Ó mar formoso, que não te cansas de bailar! E te deitas, te estendes, em areias a brilhar, Onde choras e refugias, onde vais descansar E, neste meu olhar, a mim te vens confessar.
Diz-me porque me delicias nessa tua cortesia, Nessa harmoniosa sinfonia, toda a noite e dia, Porque me reclamas, nesse teu chamamento, Como se não tivesse meu próprio sentimento?
Oh, mar! Como és afrodisíaco, doce fragrância! Sendo certo, que quanto mais em ti me tanjo, Mais suave e refinado é todo este meu desejo, ... Tanto que mais sublime é esta minha ânsia.
Quando de ti me achego, te penetro e braceio, Me acaricias em espuma voluptuosa, sem rodeio E me elevas em ti, nesses teus beijos salgados... Nada mais conta, de tão loucos e apaixonados.
Enquanto me balanças e provocas, doce ondina, De mim te afastas e eu fico neste pensamento, Que assim ditas, uma vez mais, esta minha sina, Num confessar que é teu e que é meu lamento.
Oh, mar! Como é frondoso esse teu esplendor, Como de boémio esse tão insensato clamor!... Leva-me contigo, nesse bailar das tuas ondas, Afoga estas mágoas nas tuas águas profundas.
Sopra-me teus ventos de Sul, canto de sereia, Traz até mim o encanto, a existente dulcineia, Carrega-me para longe, nesta minha fantasia, ... Deixa-me embalar nesta tão doce melodia.
Neste mito de sociedades, Num mundo de contradição, Temos muito que aprender, Sendo que duas verdades: "Aqueles que pensam ser E aqueles que nada são"... Temos ricos, que são pobres E pobres que muito têm, Temos gente, sendo bestas, E bestas que são animais, Temos burros, inteligentes E inteligentes tão burros... E se pensam universais! Temos os que já nem vêm Ao encontro das palavras... E que se dizem tão puros! ... Que esperar da sociedade, Nas verdades sem verdade!?
Serei autor, poeta desprezado, Cínica consciência de ninguém, Naquela revolta de abandonado E num querer ser outro alguém... Como e qualquer outro, merda, Diarreia, numa sanita salpicada, Massa encefálica, curtida ao Sol, Mancha sebosa, nalgum lençol; Poderei ser isto e muito mais... Mas não fazer parte dos demais, Que esperam, na sua demência, Lerdos, numa falta de lembrança, Postura e idolatrada arrogância, Como se os maiores... Cagança! ... Prefiro ser autor alucinado, Que pensamento agachado!